terça-feira, 12 de maio de 2009

Relógio

Fiz um relógio com peças partidas, com partes frágeis e maceradas. Dediquei toda a minha atenção e cuidado a escutá-lo, sofrendo com a cadência incorrecta e o movimento imperfeito. Regulei por ele todos os outros relógios, mesmo o tic-tac que me soa no peito. Adoro-o na sua imperfeição, no seu esforço constante de soluçar trôpego. Mas na minha casa, na minha vida, a alteração do tempo está a abrir brechas nas paredes. No meu corpo os fluidos giram desordenados e o sangue enfrenta dificuldades. Adoro o meu relógio e todo o esforço que fiz para montá-lo, lubrificá-lo, entender a sua noção confusa de momentos. Mas a sua génese de matriz imperfeita semeia disfunção nos meus caminhos. E quando sofro a sua instabilidade vou-me desperdiçando em horas confusas, que não me deixam crescer nem seguir. Ontem cantámos juntos, no seu ritmo avariado e encheu-me de ternura. Mas hoje o dia começa e o meu peso é redobrado. O rasto da sua voz não se prolonga como dantes. E não sei o tempo que nos resta se não encontrarmos a forma de sincronizar o nosso tempo.

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